Quando eu me mudei pra Portugal e conheci minha colega de apartamento, ela brincou que nós nos encontramos por um motivo: pra alcançarmos equilíbrio. Ela precisava de mais foco para estudar, e eu precisava me soltar mais na vida pessoal - sempre fui profissional em me afundar nos livros pra fugir de tudo, e ela me disse que sempre fez exatamente o contrário, então sempre teve muitos amigos e amores.
Antes da pandemia começar, eu tive vida social. Claro que à minha maneira; ainda com longos períodos de solidão e autocontemplação, muito pé atrás com qualquer pessoa que tentasse se aproximar, mas aproveitando as coisas de alguma forma. Eu me diverti, eu conversei com pessoas, eu saí de casa, eu até flertei com desconhecidos no balcão do bar, entre cervejas e shots de ginja. E por alguns momentos, no bar ou caminhando até o encontro do rio com o mar (bem naquela hora em que a sua cabeça não está concentrada em nada, e as ideias vêm de forma orgânica), eu pensei que talvez fosse hora de me abrir. "Talvez eu possa permitir procurar alguém, gostar de alguém... Eu já me formei, eu já sou adulta, eu... posso. Talvez eu deva". A culpa que eu sinto por não ter um emprego, por não estar no patamar da vida em que eu gostaria de estar... Nada disso importa quando esse pensamento orgânico vem; acho que porque eu percebi que gostaria muito de ter uma família minha, e que quado se conhece alguém, a construção das coisas é dos dois, e não só de um.
Nesse meio tempo, eu conheci alguém que vou chamar aqui de Luz. A Luz era colega de classe da minha colega de apartamento; as duas tinham a mesma idade, mas vidas completamente diferentes. A Luz passou dez anos casada, separou e resolveu fazer o mestrado em outro país para ver o mundo. Eu imediatamente me conectei com ela; nós duas éramos excessivamente sensíveis (se é que isso existe!), românticas e curiosas. Ela estava tentando conhecer pessoas usando o método late millennial: aplicativos. Era engraçado ouvi-la pedindo dicas ("então existem emojis que podem ser algo sexual?") e falando dos caras com quem ela conversava; tirando a inaptidão com a tecnologia, nós duas éramos iguais. Eu também tive dificuldade para entender o que as pessoas procuravam, para entender as perguntas e frases cheias de camadas de intenções e também tive dificuldade para interpretar o silêncio. O silêncio quase sempre vinha. A construção de expectativa é inevitável - eu inclusive acho que já li em algum lugar que é a notificação que ativa aquela adrenalina que faz com que a gente se torne viciado. É um tipo de expectativa; seja a da mensagem nova, da descoberta de um ser humano novo, um universo novo que se colide com o seu, ou uma nova possibilidade. Quando você tem certeza do que quer, conhecer alguém sempre traz uma possibilidade, sempre traz uma... esperança.
Depois de uma desilusão que a Luz sofreu, eu e minha colega de apartamento conversamos sobre relacionamentos. Não lembro se foi depois de um jantar regado a vinho, ou um lanche da tarde regado a tanto bolo de chocolate que eu não tinha capacidade de responder (só ouvir), mas ela me disse que a Luz tinha essa dificuldade porque não sabia lidar com o "namoro moderno". Claro que o nome do Bauman, e as expressões "amor líquido" e "relações líquidas" surgiram. Minha colega de apartamento é alguém mais experiente e habituada ao tal "namoro moderno", e a tal fluidez que o namoro moderno proporciona. "As coisas andam rápido", ela me disse e seguiu com um "ou você se adapa, ou você se magoa muito e sofre". Eu assenti, mas depois fiquei pensando em pessoas como eu e a Luz, que levam um tempo para se curar de qualquer mágoa. A quebra de expectativa quase sempre gera uma ferida, e eu sempre tive bastante orgulho de me entender o suficiente para saber que preciso de tempo para me recuperar. Será que algum dia eu iria me adaptar a essa modernidade, mesmo ela não sendo assim tão boa para mim?
Nesse mês em que eu me recupero de uma decepção amorosa, eu conversei bastante com meus amigos. Pela primeira vez na vida, eu consegui me abrir com pessoas que achei que pudessem entender; todas estavam longe de mim, no Brasil, mas o apoio foi fundamental para que eu parasse de chorar, saísse da cama, e passasse pelas fases do "luto" da maneira mais natural possível. Essas amigas (e esse amigo!) com quem conversei são parecidos comigo em um aspecto: todos se consideram (ou são considerados) "emocionados". Eu amo a versatilidade do termo, porque se parece deboche para alguns, pra outros é elogio. Eu, alguém que ama o Romantismo e o romantismo, não acho que sentir emoção quando há esse encontro entre duas pessoas seja algo ruim. Claro que meu lado racional (muito bem trabalhado por mais de uma década de terapia) sabe definir limites. O gostar é uma construção, o amor leva tempo, a confiança também, e até mesmo a criação de expectativas - tudo é um processo. E como uma amiga me disse (entre áudios inflamados) você não é paciente psiquiátrica, que cria coisas na cabeça do nada. Se você está sentindo algo que foi se desenvolvendo por um tempo, em uma relação (qualquer que seja o tipo) entre duas pessoas, é porque existe uma troca. Ação e reação. Depois disso, eu fiquei pensando nessas pessoas do amor líquido: será que elas pensam que as ações delas, por menores que sejam, não vão ter uma reação? Ou será que elas sabem, e simplesmente não ligam paara o efeito que podem ter numa vida alheia? Outra amiga me falou (também entre áudios inflamados), que sente que "as relações são normalizadas com escrotidão". Analisando com um pouquinho mais de profundidade essa escrotidão, eu chego ao seguinte processo mental (de quem é filho da puta e sai por aí fazendo as coisas no automático, com a dita rapidez dos relacionamentos modernos): tudo bem fazer essa coisa x que pode magoar muito alguém que entrou na minha vida, que eu alimentei com esperanças. Tudo bem não ter respeito por esse alguém. Eu estou sendo honesto - não dando certezas! -, mesmo que minhas ações digam o contrário. Esta pessoa é só mais um número para mim; por que eu deveria me importar com o que ela sente?
Eu acho que as coisas são mais duras para quem sabe o que quer, e sabe que quer emocionado. Namorar nunca foi tão difícil, mesmo com esse mundo de possibilidades. É fácil encontrar pessoas. É fácil beijar, transar, e até mesmo ser honesto. Mas dar continuidade às coisas é tão difícil... O que eu sinto, e o que eu sinto de todas as pessoas com que conversei, é um cansaço enorme, uma frustração. "Eu não aguento mais, sabe. Não dar certo niguém", uma amiga disse. Eu entendo. Eu queria que todas nós nos juntássemos num grande karaokê, cheio de cerveja fria e abraços quentes. Esses momentos de alegria cega são o que dão esperança na vida, sabe? No fim das contas, por mais difícil que seja, por mais dolorido que seja tentar algo novo, criar expectativas mesmo tendo quase certeza que elas vão ser quebradas, é muito bonito ter esperança. E isso faz a caminhada valer a pena.