segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Dia 3

Hoje eu escrevi uma carta.
Ano passado, um alemão caiu no meu colo em Jerusalém. Não literalmente, mas quase isso. No primeiro final de semana de folga que eu e Nathalia tivemos do workaway, fomos pra Jerusalém. Como nós somos duas velhas, ficamos no saguão do Abraham hostel, e esse moço alemão ficava olhando pra gente como se quisesse conversar. Como eu estou acostumada com a Nathalia (que tem quase fobia social), eu puxei assunto. Ele tinha 20 e poucos anos (menos que eu), tinha acabado alguma coisa de técnica em construção na Alemanha, não tinha rede sociais e estava em Israel procurando estágio. Ele era bem travado, bem alemão, mas eu, como sempre, soterrei o desconhecido de perguntas e achei inofensivo. No outro dia fomos juntos ao Yad Vashem, e tiramos uma foto na máquina analógica antiga dele no final do museu, já na frente da floresta. Uma das minhas amigas israelenses comentou rindo que essa história era o começo de uma piada de humor negro: conheci um alemão e fui com ele até o Yad Vashem. Eu rio de nervoso quando penso nesse comentário dela.
Eu dei a ele meu número de telefone. Um mês depois ele me liga e diz que me enviou uma carta. Fui até a caixa postal do hostel em Tiberiades, e sim, tinha carta dele, escrita em caneta tinteiro e falando que ele tinha decidido trabalhar em uma fazenda no sul do país. Ele me ligou de novo, e ficou combinado que ele me encontraria em Tel Aviv antes de eu ir embora.
Ele realmente foi até Jaffa, e ficou no mesmo hostel que eu. Andamos boa parte de Tel Aviv atrás de meias de algodão, um sapato de couro e filme pra câmera dele. Eu paguei um almoço. Ele pagou um jantar. Ele me contou que não tinha redes sociais, e que tinha como hobby ir pras feiras em que se vivia como no século retrasado (por isso as meias de algodão e a roupa vintage). Ele pediu pra colocar os braços em volta de mim, e disse que eu podia encostar nele se estivesse frio. Quando eu percebi as intenções, eu já tinha que ir embora, e o Chris (esse é o nome dele) ficou sendo uma história boa pra contar - absolutamente todo mundo quer me bater quando eu conto, e pergunta porque eu não fiz a brasileira e beijei de uma vez. Eu digo que não percebi na hora. Eu realmente não percebi, e quando percebi, achei que era brincadeira. Eu sempre acho que é - e um contato no telefone.
Quando eu mudei pra Portugal, avisei os amigos que fiz em Israel que poderia ir visitá-los; o Chris foi um deles. Nós trocamos endereços pra trocar cartas, porque eu decidi que usaria menos redes sociais e diminuiria meu ritmo, pra ver se me encontro. Então hoje eu escrevi essa carta, em papel sem linha e falando de assuntos aleatórios. Foi divertido. Eu gosto de escrever à mão. Amanhã vou enviar e escrever mais cartas. Lembrar dessa história e escrever como se eu estivesse em 2006 fazem com que a pisciana que eu deixo de lado apareça.

Sigo com tosse, mas hoje fez 20 graus e eu me senti um pouco melhor. Ainda não sei o que fazer pro meu aniversário, mas já comecei a pensar.

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