domingo, 8 de novembro de 2020

Anatomia do meu gostar, ou um mini estudo sobre passividade

 Eu nunca sei exatamente como começa, mas nos últimos dias fiz um exercício de memória com amores passados.

A primeira pessoa por quem eu me apaixonei era meu amigo. Ainda é, mas éramos muito mais próximos de convivência. Nós estudávamos juntos na escola, fazíamos inglês juntos, e quando não nos encontrávamos em ambiente escolar, ele vinha na minha casa ou eu ia na dele (morávamos perto um do outro). Ele me ouvia. Ele gostava das mesmas coisas que eu, e era intelectualmente estimulante. Ele escrevia, era sensível. Um dia eu acordei, e percebi que não gostava mais dele como amigo. Mas eram tempos difíceis dentro da minha cabeça - não que hoje seja mais fácil, mas antes era tudo muito mais confuso, e eu me sentia pior que me sinto hoje. Quando eu fui forçada a contar pra ele, passamos uma semana sem conversar. Eu adoeci. E a paixão passou, porque a amizade foi mais forte. Essa foi minha primeira lição: às vezes as coisas se confudem, e é preciso escolher o que priorizar.

A segunda pessoa por quem eu me apaixonei estava longe. Eu levei alguns meses até ver o rosto dele, ele raramente via o meu, mas nós nos achávamos engraçados de alguma forma. Ele me achava bonita. Ele dizia isso pra mim. Nós conversamos todos os dias, por três anos. Ele foi a primeira pessoa que fez eu me sentir desejada, a primeira pessoa que não tinha absolutamente nenhum motivo pra me encorajar e mesmo assim o fazia. Eu me apaixonei quando ele tirou uma foto minha tomando sorvete na sorveteria vegana da baixa Augusta, e depois me levou até o metrô Consolação de mãos dadas. Mas algo parecia errado. Dentro de mim, eu sentia que algo estava errado - seja porque parecia que estávamos fazendo tudo escondido, porque minha intuição dizia que ele não estava 100% ali comigo, como eu estava com ele. Quando acabou, e eu me senti desrespeitada (por diversas razões), eu entendi que paixão e amor precisavam ser cultivados. Essa foi minha segunda lição: as coisas mudam, as pessoas mudam e os sentimentos podem acabar.

A terceira pessoa por quem eu me apaixonei parecia perfeita pra mim. Nós dois falávamos a mesma língua de internet, ele era extremamente político, ele era carinhoso e me fazia rir. Nós tínhamos muito em comum. Ele parecia adulto e seguro, parecia ter feito todas as escolhas seguras que eu não fiz. Oficialmente nós nunca tivemos nada, mas por por mais de um ano eu fui o apoio emocional dele; com o tempo eu vi que ele não tinha certeza de nada, e que eu era o peso mais seguro da balança. Eu me acostumei a receber migalhas de afeto, e percebi que me adapto fácil demais ao que não é exatamente bom pra mim. Só um ano depois, quando eu consegui me abrir com alguém sobre a situação, eu entendi que não precisava sentir culpa por ter desistido, ou por não ter insistido em algo que seria só tarefa minha. Essa foi minha terceira lição: a forma com que eu me apaixono tem muito mais a ver comigo mesma do que com o outro. Por mais que eu ame o platônico, quando o real acontece, eu preciso estar preparada.

Eu não queria ter me apaixonado pela quarta pessoa por quem eu me apaixonei. Eu não achava que era a hora, eu estava muito ocupada. Mas eu sempre estou ocupada. Sempre tem uma pulga atrás da minha orelha dizendo que eu tenho que ser mais equilibrada, que eu devo dar uma chance pra algo novo quando esse algo novo aparece. Claro que depois que não dá certo - porque eu me iludo, porque a outra pessoa me ilude, porque a vida acontece - eu amaldiçoo essa pulga e qualquer outra pessoa que diz que eu devo me abrir, porque minha intuição nunca falha. Mas essa quarta pessoa era mais do mesmo - muito adulto, muito seguro, muitas coisas em comum... Outro intelectual, muito político, com gostos peculiares que me faziam rir, piadas que me faziam rir, mais experiência que eu. Outra pessoa que me dava alguma espécie de carinho, mas não o que eu precisava, não o que eu acho que eu mereço. Foi muito próximo do fim que eu percebi que tinha me apaixonado por ele, e consegui perceber exatamente quando aconteceu: foi na falta. Foi pela saudade. 

Com todos eles, sem exceção, eu nunca fui firme.

Eu nunca impus o meu querer, e sempre me deixei levar - tanto pelos meus sentimentos, quanto pelo agir deles. Eu fui passiva. Eu sou passiva. Eu deixo acontecer, e finalmente percebi que isso nunca vai dar certo comigo. Não adianta me proteger de todas as maneiras possíveis, pra no fim deixar que o outro me conduza, porque o caminho das rosas inicial sempre leva pra um abismo. Acho que essa vai ser minha quarta lição: não adianta nada eu entender qual é o meu tipo e saber o que eu quero, se eu não sei dar uma importância ao meu desejo; se eu não sei dar importância maior... a mim.

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