Quando eu tinha 14 anos eu passei por um término de amizade bem complicado. Eu sei, você estão pensando "o que a gente não complica quando tem 14 anos?". Tudo. As pessoas são normalmente exageradas na adolescência. Eu sempre fui. Sempre fui intensa demais. Como não conseguia falar tudo o que eu sentia pra minha terapeuta (nem pra mais ninguém), eu criei esse blog (que antes era outro, mudou pra esse aos 15, mas enfim).
No começo foi bom. Foi maravilhoso. A ideia de falar absolutamente tudo o que se passava pela minha cabeça e não ser julgada era linda. Peguei carona na cauda do cometa e fui embora com minha imaginação. Digo imaginação por que era isso o que eu tinha: imaginação de sobra. Não tinha muitos amigos e tinha livros demais: então comecei a inventar universos meus (acho que sempre tive meus mundos inventados, mas o blog era um meio de torná-los "reais" - a partir do momento que eu escrevia, eles se tornavam reais pra mim). Eu criava um mundo cheio de pessoas que eu gostava. Eu fazia parte do mundo. Eu era alguém diferente nesse mundo. Alguém que eu queria ser. E foi aí que eu viciei nisso tudo e comecei a não ligar pro mundo real; eu nunca me dei bem com o real. Nele eu era um patinho feio: meus pais me criticavam, não conseguia externalizar o que eu sentia, eu queria ser a melhor em várias coisas e não conseguia. "Dane-se tudo isso!" eu pensava - e ficava com a cabeça nas nuvens (e nos livros).
Nunca soube lidar com sentimentos também. Como eu não convivia 100% com pessoas (sempre gostei de escutar pessoas. Acho que isso as fazia pensar que eu entedia alguma coisa. Mas eu só gostava de escutar. Até hoje, eu gosto de escutar. Mas eu continuo não entendendo. Eu não sei nada da vida. Eu nunca vivi. O que eu vivi, foi na minha imaginação), eu não sabia coisas sobre sentimentos reais, como amor, carinho. Eu achava que entendia a raiva e a solidão porque era isso que sentia. Era rebelde. Comecei a me esconder atrás de ideias, ideologias; assim nunca teria que me mostrar de verdade pras pessoas. Sentia falta de amor. De carinho. Até que cheguei num ponto em que não sabia se era gelo com uma camada de açúcar ou açúcar com uma camada de gelo. Comecei a entrar em parafuso. Tive minha primeira crise existencial que não envolvia crianças morrendo de fome ou desigualdade social. Era eu e eu mesma. O que eu sentia. Do que eu sentia falta. E doeu. Como doeu. Querer algo e ter vergonha de pedir, ter vergonha de demonstrar o que sinto - horrível. Desde então, comecei essa luta interna. O triste é que dura até hoje.
Aí eu me apaixonei.
Imaginem como é pra alguém que tem vergonha de sentir, estar apaixonado. É terrível. É maravilhoso e terrível. Maravilhoso porque você se sente como uma criança, descobrindo as coisas. Terrível porque você tem vergonha delas. Vergonha de como se sente. Eu sempre fui tão travada, que comecei a somatizar as coisas. Quando consegui me declarar, eu fiquei doente. Mesmo. Tive febre, palpitações, vômitos. Mas passou. Escrevi muitos textos sobre isso aqui no blog e passou como veio. E nunca mais tive que falar disso.
Ao longo dos anos, fui voltando a ser mais sociável. Extrovertida. Nunca falando muito profundamente sobre mim, claro. Isso nunca. Comecei a secretamente ligar pra minha aparência, mas nunca fiz muita coisa pra mudar por pura rebeldia. Vi amigas se apaixonarem, vi seus corações serem quebrados. Não passei no vestibular de primeira - algo que tinha certo na cabeça e super bem planejado. Viajei. Saí de casa. Conheci pessoas novas, de lugares diferentes. Se você acha que isso é viver, então eu vivi. Se você, como eu, acha que colocar sentimento em tudo o se faz é viver... Continuo na mesma. A mesma de sempre. Entrei na universidade, morei só, tive depressão. E o blog esteve sempre aqui: escrevi sobre a primeira vez em que fiquei bêbada minutos depois de terminar a última cerveja. Proclamei meu ódio ao meu curso, falei sobre como me sentia ao reprovar (pela primeira vez!). Escrevi muito sobre querer morrer, sobre me sentir vazia. Voltei pra casa. Melhorei. E me apaixonei de novo. Mas dessa vez foi diferente.
Eu estava acostumada a ser platônica em tudo. "Não fui, na infância, como os outros e nunca vi como os outros viam. Minhas paixões eu não podia tirar das fontes igual à deles; e era outro o canto, que acordava o coração de alegria. Tudo o que amei, amei sozinho", diria Poe. Era bem assim comigo. Era. Dessa vez eu não estava sozinha. Tudo novo. Lindo. E assustador.
Tudo o que eu sabia sobre amor eu tinha lido em livros. Minha cabeça sempre funcionou desse jeito. Eu comecei a me sentir (mais ainda) em um livro. E voltei pro blog. Se eu dissesse pros meus amigos o tamanho do amor que eu sentia, eles não acreditariam. Se acreditassem, ficaram enjoados. Acho que amor é bem isso né? Ficar repetindo na cabeça as coisas que seu amor fala, só pra ficar com um sorriso bobo no rosto. Imaginar coisas que vocês fariam juntos (olha aí, voltamos ao "imaginar"). Mas como boa imaginadora que sou, as partes ruins vieram logo. "E quando acabar?", "E se ele não gostar mesmo de mim?", "E se ele descobrir que eu sou louca?". Criei diálogos sobre separação (bem parecidos com aqueles dos livros que eu sempre li). Peço ao mundo que me perdoe. Lembra que sempre vivi na minha imaginação?
Encontramo-nos. Coisa linda de ver. As coisas aconteciam e minutos depois eu tinha textos gigantes dentro da cabeça. Não, eu não deixei de sentir nada. Pelo contrário. Eu senti tudo, com cada parte do meu ser. Fui mais intensa que o normal. E amei, e fui sincera, e não escondi nada. Pela primeira vez, eu não escondi nada.
Voltei pra casa, passei dias dançando ao invés de andar. Aquilo era real, não era minha imaginação. Eu passei 19 anos vivendo ao contrário e de repente, bang! O real não era tão ruim. Ok, era ruim estar longe de quem eu gostava, mas tirando isso... Era normal. Eu passei a querer o real.
Mas a minha cabeça, ah, a minha cabeça... Fiquei muitos anos presa à minha mente. Era era viciada em imaginar. Voltei a morar na minha cabeça. E na minha cabeça, eu não podia querer pra mim alguém tão lindo, alguém tão sensacional. Eu não podia prendê-lo a mim - logo eu, tão esquisita, tão emocionalmente constipada. Então escrevia textos sobre voltar a ser só, sobre me desapaixonar, sobre deixá-lo livre. Mas ele não deixava. Ele dizia que me amava e eu lembrava que o amava muito. Ele mandava mensagens de texto bobas e eu lembrava que era isso o que eu queria - sempre foi isso que quis. Ele era o eu sempre quis. Era o meu "carinha de livro", mas era real.
E eu estraguei tudo com a minha insegurança. Estraguei tudo por medo de falar o que eu sentia. Estraguei tudo por ter um blog e viver imaginando coisas pra escrever nele.
E depois de passar dois dias chorando ao olhar pra paredes, fotos, tapiocas, filmes e o meu celular, eu posso dizer que estou no mundo real. De verdade. E agora é pra ficar.