quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Compulsão, por compulsiva.

Paro e me concentro em minhas sensações.

Dor. Começa no estômago, como um formigamento. Sobe pela garganta, quente como sei lá o que. Chega à cabeça. A cabeça pulsa. Ouço meus batimentos cardíacos.

Procuro uma folha qualquer, marco o livro e o fecho. Levanto-me da cama e sinto o mundo girar, girar, girar, bandolins.

Desço a escada, lentamente. Meu coração dispara. Falta de condicionamente físico. As palavras de meu pai me vem à mente. Abro a porta da cozinha.

Sinto-me perdida por alguns segundos. Consigo me ver de cima. Acordo. Abro a porta da geladeira. Mais dor. Agora nos olhos. Tantas cores, tantas cores. Tantas formas geométricas. 'Come uma fruta, come uma fruta, come uma fruta' minha mãe ecoa, minha mãe grita. Pego uma maça. Como em três dentadas.

Pontadas na cabeça. Pontadas no estômago. Barulhos estranhos. O mundo gira outra vez. Como uma banana. Sento-me na cadeira da cozinha. Sinto calor. Me sinto febril. Quente por fora, fria por dentro. Suo.

Contorções. Deito a cabeça na mesa de mármore, frio. Pães, vejo pães. Num mar de manteiga. Chuva de nescau. Preciso de um carboidrato. Preciso desesperadamente de um carboidrato.

Abro um pacote de biscoito. Quando ponho um na boca, derrete. E vou vou comendo, um, dois, três, quatro, cinco, dez. A dor diminui. Me sinto melhor. Recosto na cadeira e observo tudo ao meu redor. Céu bonito. Vento bom. Carta Capital em cima da mesa. Começo a ler. Crise, crise, Bolsa de Valores, aaaaaaah a mamãe queria saber mais sobre a crise, será que ela já le...

Minha mãe.

Pânico. Meu cérebro começa a trabalhar rapidamente em uma justificativa para a abertura do pacote de biscoito.

''Não foi eu.'' Não, muito batida. Além do mais, eu sempre abro. Descartada.

''Já tava assim.'' Boa. Se ela não abrisse o armário todo dia...

''É o seguinte, mãe. Eu vou ser sincera contigo. Eu sou gorda. Eu tenho a mente de gorda. Eu sou dependente de comida. De carboidratos, de doces. Eu comi uma maçã e uma banana e a minha cabeça não parou de doer, mãe. Eu tava desesperada, não aguentava mais. Eu tenho um problema, mãe, cê sabe. Talvez quando essa doença maldita chamada adolescência passar, eu melhore. Quando as pessoas pararem de me pressionar. Quando vocês pararem. Quando eu tiver meu dinheiro, meu emprego, depois do vestibular. Eu paro com isso. Eu consigo parar. Mas é muita pressão, sabe? E além de tudo, eu tenho esse preconcieto desgraçado contra quem se preocupa com o corpo. Na minha cabeça, só o que importa é cérebro. Só o meu cérebro vai me levar a algum lugar. Por favor, mãe, tenta entender.'' É. Vou falar isso. Vou mesmo. Ela nunca foi gorda na vida, ela não sabe como é. Ela não sabe como é a compulsão. Tentar não pensar, tentar não comer. Não conseguir escapar...

Subo a escada. Abro o livro. Relaxo. Já sei o que falar pra minha mãe.

20 minutos depois, escuto minha mãe gritar. 'Umáyra, venha cá!' ''Venha cá" não é bom. Se fosse "Vem cá", tudo bem. Mas "Venha cá" é sinônimo de coisa ruim.

'Quem abriu esse pacote de biscoito, Umáyra?'


'NÃO FOI EU.'





Pra escutar lendo: Mary was her name - Elis Presley.

ps.: é verídico.

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