quinta-feira, 8 de julho de 2021

demônio do meio-dia

 há meses eu te sinto respirar atrás de mim, esperando o momento certo pra atacar. não que você alguma vez nesses longos anos em que me faz companhia tenha esperado o momento certo: sou eu quem forço a barra, seguro o máximo que posso pra que você chegue quando eu estou menos ocupada, ou quando eu consigo fazer malabares com você e as outras questões da minha vida.

quando eu tinha 12 anos, eu lembro de te sentir comigo pela primeira vez. claro que era tudo muito confuso, e eu tinha outras companhias e outras descobertas a fazer, mas você já estava ali, e aparecia na frente do espelho quando eu ficava sozinha, ou quando eu tinha um caderno na mão.

aos 15, eu te dei uma ajuda com remédios: tomei um que te ajudou a crescer, e eu já sentia que você provavelmente me acompanharia pro resto da vida. seus amigos, que também viraram uma espécie de companheiros meus, chegaram com novidades: eu passei a me punir, ficar sem comer e depois comer até não aguentar mais, me coçar até tirar sangue, arrancar os cabelos da parte da frente da minha cabeça.

aos 18, você voltou e me ninou por muito tempo. eu tentei te expulsar de perto de mim, usando remédios. eventualmente, os remédios serviram pra que eu tentasse sair de mim. eu não consegui. esse ano esse episódio completa 10 anos. eu não te entendia muito bem, então chorava muito, não conseguia levantar da cama e as paredes brancas do meu quarto úmido são um gatilho até hoje.

aos 23, você voltou com uma cara diferente: eu achei que você não voltaria mais, e de certa forma, você não voltou. ou eu mudei, fiquei mais forte. então você teve que mudar também, e eu conseguia fazer tudo o que precisava fazer sem que você me paralisasse. o que de certa forma tornou tudo mais difícil: eu parecia normal; só sentia vontade de me jogar na faixa exclusiva do ônibus do ponto da maria antônia. você trouxe outros amigos, e eu tive que aprender a lidar com eles tomando outros remédios. 

agora, aos 28, você voltou próximo do final de um ciclo. eu sigo fragilizada, por vários motivos. dessa vez, eu estava mais ou menos preparada. eu já te sinto há meses, respirando atrás de mim. eu achei que pudesse ser outra coisa, mas não foi. eu ainda não sei como vou fazer pra lidar com você agora, mas preciso fazer alguma coisa.

em todas vezes, principalmente depois dos 18, depois que eu tentei sair de mim e não consegui, ter você por perto me dá a sensação de falha. de que eu sou um ser humano quebrado, e que não fui forte o suficiente pra lidar com você e com a vida. eu gosto da teoria de uma antiga terapeuta, de que você nasceu comigo, e sempre esteve no meu sangue. a sensação de fracasso fica menor quando eu penso assim.

eu não sei se vou contar pros meus pais que você voltou, ou pra qualquer pessoa. eu acho que por enquanto, vou só tentar me fechar um pouquinho, pra entender como você está agora, e como eu posso lidar com você. eu me sinto um fracasso, mas eu acho que sou muito forte, sabe. você sempre esteve comigo, mas nunca me venceu.

Um comentário:

Mauany disse...

E vai continuar sem vencer