domingo, 20 de março de 2016

Belleza en lugares oscuros

Eu nunca gostei de falar sobre minha própria imagem com a minha terapeuta.
Não sei exatamente quando meu corpo deixou de ser um instrumento útil pra minha vida e passou a ser esse problema que de tempos em tempos eu fico remoendo (provavelmente na Terrível Adolescência), mas sei que só comecei a conseguir falar sobre beleza quando alguém que não era da minha família me chamou de "bonita". 
Eu sempre achei todo mundo bonito. Lembro que no ensino médio, estudei com uma mocinha meio atarracada, calada, que usava óculos com lentes bem grossas e o cabelo cortado tipo uma cuia. Um dia eu a vi presenteando uma colega ("por você ter me ajudado com física", ela disse) e dando um dos sorrisos mais bonitos que eu já vi na vida (só não barra o sorriso da primeira estátua humana que eu vi na vida, aos 15 anos, quando eu visitei o Rio de Janeiro. Nunca vou esquecer aquele sorriso). O rosto da mocinha ficou ensolarado e lindo. Depois disso, todas as vezes que eu olhava pra ela, os comentários maldosos sobre o corte de cabelo dela sumiam e eu só conseguia lembrar dela sorrindo por fazer alguém feliz. Acho que só aprendi a ver beleza interior nesse dia, aos 16 anos de idade.
Mesmo sabendo diferenciar beleza interior de exterior e sabendo que nem todo mundo se encaixava em um padrão, segui enterrando meus pensamentos sobre mim mesma - e quando vinham à tona, sempre eram negativos. É muito mais fácil listar todos os meus defeitos e feiuras internos e externos que pensar em algo positivo. Autoestima baixa e autoconsciência são os inimigos com quem eu batalho todos os dias ao me olhar no espelho.
Quando me perguntavam qual parte do meu corpo eu achava mais bonita, eu respondia que gostava da minha mão esquerda e da minha boca. Minha boca virou meu nêmesis com o passar dos anos (compulsão alimentar and shit), mas eu sempre gostei das minhas mãos. A esquerda especialmente por eu não usá-la: ela não tinha cicatrizes e os dedos longos e unhas compridas estavam sempre muito bem feitos e hidratados. Os dedos que eu quebrei em janeiro foram os da mão esquerda. Eu agora tenho quatro furos nas bases dos dedos (onde os ferros ficaram) e uma cicatriz que virou queloide no anelar (o médico fez pra tirar o sangue preso dos dois dias em que meu dedo ficou parado sem eu saber que estava quebrado). A primeira coisa que eu pensei quando cai no asfalto foi que minha mão ficaria feia. Amanhã fazem dois meses que eu cai no chão e pensei essa bobeira. Hoje eu só consigo pensar que quero voltar a ter mão boa - quero voltar a fechar a mão e segurar as coisas sem sentir dor - e que se foda beleza. Eu não nasci pra ser bonita, eu nasci pra ser útil pra mim e pros outros.

(É meio doloroso aceitar isso, tão doloroso quanto quando eu aceitei que não queria ser magra, queria ser saudável. Doloroso porque aparentemente eu preciso ver o lado ruim da moeda pra perceber que não to nesse mundo pra sofrer.)

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