domingo, 28 de julho de 2013

Discordar de quem discorda

Eu não ligo pra santa quebrada. De verdade.
Por mais que eu tenha passado anos da vida fazendo catequese e meus pais sejam muito católicos, eu acabei me tornando um ser não religioso. Minha educação é cristã, assim como a de meio mundo. Mas eu não vejo sentido em seguir certas regras e ter certos preconceitos, então não faço parte de igreja alguma. Eu não ligo se uma moça pelada faz uma performance quebrando uma santa. Eu já quebrei um são Brás do altar dos meus pais e tirei várias lascas de outras estátuas. Eu também não ligo se vai "manchar" a imagem da Marcha das Vadias. Eu não ligo pro fato de as moças terem "ofendido" os católicos*. Não ligo mesmo. Mas sabe o que eu acho foda? Gente que dá tiro no próprio pé. Explico.
O Brasil é aquele país religioso disfarçado de laico, logo, vários direitos que pessoas nos países laicos de verdade têm, nós não temos. Eu poderia listar vários, mas vou focar em um que interessa a maioria das mulheres - principalmente as que participam e apoiam a Marcha das Vadias: o aborto. 
Não vou entrar na questão ética do negócio (existem milhares de textos na internet sobre isso), mas o fato é: num país onde o Estado não tem uma religião, o aborto é legal. Uma mulher que foi estuprada, que corre risco ou que simplesmente não quer o feto (que segundo a ciência, até uma quantidade x de meses ainda não é uma vida legalmente falando) pode ir a uma clínica e abortar - sem passar por nenhum trauma no processo. A MdV no Brasil luta pelo legalização do aborto (é só pesquisar um pouquinho pra notar o quanto de vidas são perdidas em clínicas clandestinas) e a briga é feia. Como eu disse ali no começo, o Brasil é em tese um país laico, mas na prática não é bem assim. Não sei se com o passar dos anos eu entrei demais na onda da "política da boa vizinhança", mas acho que quebrar um santo não vai ajudar em nada a legalização do aborto. É legal dizer pra igreja "ó aqui, você não manda em mim nem no meu corpo e eu não ligo pros seus símbolos", mas mais legal ainda é conseguir uma mudança concreta. É legal e correto lembrar que a igreja é conivente com uma monte de bosta e já faz um monte de bosta, mas isso não vai mudar nada. Quebrar um santo só vai chamar atenção pro óbvio: as "minorias" (que não são tão minorias assim) são massacradas pela igreja e não estão satisfeitas com isso. Eu não vou vingar nenhum menino assediado por um padre pedófilo ou uma lésbica estuprada quebrando um santo. Mas ah, como eu vou deixar a igreja brava se eu abortar. Como eu vou deixar a igreja brava me casando com meu parceiro do mesmo sexo. Quebrando uma santa, eu só vou conseguir um olhar e uma nota de reprovação de um bispo e alguns católicos exaltados. 
Eu não teria nenhum problema em quebrar um santo se isso me desse o direito de fazer o que eu quisesse com o meu corpo legalmente. Enquanto isso não acontece, quebrar um santo, rasgar uma burca, chutar um despacho e chamar isso de performance é só arte. Arte que eu não gosto**.
Eu sei que geral vai me chamar de reaça (se fosse pessoalmente eu provavelmente xingaria a pessoa, mas né, internet), alienada, catoliquinha e afins. Mas acho que só virei uma pessoa prática demais. Perdão e por favor não confundam reflexão com direitismo. Talvez eu só tenha aprendido a pensar mais antes de ser emoção pura.

*Eu li alguém falar sobre ofensas em manifestações, como se elas fossem obrigatórias e achei meio errado. Manifesta-se do jeito que se quiser: ofendendo ou não. Ofender só vai te cansar mais e trazer um pouco mais de dor de cabeça.
**Seguindo essa lógica do Essa Religião Não Me Representa, seria bacana alguém rasgar uma burca simbolizando todas as meninas que são vendidas quando crianças pra se casarem. Né não?

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