Nesse momento da vida em que nada de fora faz sentido, eu me encontro cada dia mais olhando pra dentro e pra trás. Talvez porque olhar pra frente, além de me causar um mal estar tremendo, não faz muito sentido justamente por eu não sentir vontade de ir pra frente. Ter investido todas as minhas forças numa vida intelectual e acadêmica não me rendeu nada, e ter feito toda a minha personalidade girar em torno disso só fez com que no momento em que eu não quis mais ser uma intelectual, tudo fosse abaixo. Todos esses anos em escolas, universidades, cursinhos, salas de aula, foram só pedaços de um castelo de ar que começou a ruir há 3 anos. Eu sigo dentro desse castelo e ele está pegando fogo. Eu não sei como sair, e sinto que todas as pessoas em que eu confio também não querem que eu saia dele.
Eu só queria parar. Só um pouquinho.
Desde 2020 alguns gostos que eu tive na adolescência voltaram. Eu voltei a ver e rever animes, aos poucos estou abandonando as redes, voltei a ver filmes e até a ler livros físicos. Meu maior feito do ano passado foi ter terminado "Terra estranha" do James Baldwin. Levou meses. Eu lia algumas páginas todas noites, e foi dolorido - que loucura que um livro em 1962 ressoe tão forte hoje, não?
Também li alguns romances. Nada memorável. Nada como uma trilogia da Nora Roberts, uma série da Meg Cabot ou até mesmo a pior melhor série que li durante a faculdade (Stage Dive). Acho que sinto falta de algo que me deixe obcecada, que vire minha vida de cabeça pra baixo e me mude completamente. A coisa mais próxima que me causou esse sentimento transpassante foi "Aftersun"; chorei por horas depois de assistir, levei pra terapia diversas vezes e passei meses pensando nesse filme. De vez em quando ainda penso. Principalmente porque ando pensando bastante em ser mãe.
Essa semana o John Galliano fez um retorno triunfal com uma coleçao da Maison Margiela e eu lembrei de quando tinha 12 anos e quis ser estilista. Meu sonho era morar em São Paulo e estudar Moda na Santa Marcelina - fui uma criança semi-criativa, e nessa fase do anime eu gostava de desenhar mulheres e roupas. Esse sonho morreu assim que eu entendi que ter um corpo gordo seria uma pedra no meu caminho; ficou só o sonho de São Paulo mesmo. Eu era tão obcecada pelo Galliano, que fui algumas vezes até a Harrods atrás de um perfume dele. Nunca comprava. Só ficava admirando o frasco pensando que um dia eu teria dinheiro suficiente para ter várias coisas bonitas, incluindo aquele perfume. Nessa época eu também sonhava em ir a um show da Madonna com meu pai, e hoje sei que é muito provável que isso não aconteça. Alguns anos depois de namorar o perfume do Galliano pela vitrine, ele foi demitido da Dior por ser racista. Perdi todo o encanto. O sonho morreu. Meu sonho de ver um show da Madonna com meu pai talvez esteja definhando também - talvez essa seja a última turnê dela, talvez eu não more no Brasil. Envelhecer parece ser ter muita certeza na montanha de "talvez" que a vida vai nos jogando.
E ah. Em algumas semanas eu vou casar.