domingo, 30 de maio de 2021

Acabou

 Eu não gosto de mentiras.

Eu também não gosto de mentir, e talvez seja por isso que eu seja tão ruim nisso. As poucas vezes que eu menti na vida não acabaram de uma forma boa, e as pouquíssimas coisas que eu não conto para os meus pais acabam habitando algum canto obscuro da minha consciência, cheio de culpa. Talvez seja algo da educação católica, alguma baboseira sobre abrir sua vida inteira para a sua família, misturada com a culpa católica - e quem sofre do mal da culpa católica sabe que ela pode acontecer em relação a absoltamente tudo. 

Por mais estranho que seja, eu prefiro encarar a realidade. Digo estranho porque quem me conhece minimamente sabe que eu sou uma pessoa sensível, e tudo me afeta. Mas eu prefiro ser afetada pela realidade do que viver uma ilusão, uma mentira. Prefiro ser afetada pela realidade, sofrer, ficar estressada, do que descobrir algo sem estar preparada para esse algo. Eu odeio ser pega desprevenida. Mas acho que acima de tudo, eu odeio a sensação de ser traída. Eu posso até entender os motivos de quem trai (e aqui falo de qualquer tipo de traição, apesar de estar sentindo agora uma traição de confiança), mas eu não aceito. 

A minha mãe pegou covid pela segunda vez, mentiu que estava com outra coisa, e a maioria do meus amigos sabia. Eu ouvi justificativas de algumas pessoas: foi por amor, foi pra te proteger, foi porque você tava estressada e ocupada na fase final da dissertação. Eu me sinto como alguém de 10 anos, que precisa ser protegido de notícias ruins pra não ficar traumatizado. A diferença é que tenho quase 30, e que minha vida poderia ter sido afetada diretamente se algo ruim acontecesse. "Mas se estivesse ruim ela teria contado" - teria mesmo? Ou seguiria mentindo? Acho que agora não dá mais pra confiar se faria ou não, né. Se eles mentem e omitem, eu acho que também posso fazer isso.

Toda a culpa que eu sentia por omitir coisas mínimas dos meus pais foi embora. Eu sinto muita raiva, mas pelo menos disso eu estou livre.

Um comentário:

Mauany disse...

Eu acho que é um mal e uma covardia de quem tem parentes longe, achar que vai proteger sem entender o pânico total que já é não poder estar presente imaginando o pior. E nem poder confiar. Sinto muito.

Mas por outro lado, acho que a relação de pais e filhos passa sempre por esses choques de separação, de entender novamente que não somos uma parte deles como tivemos que entender ali na primeira infância. Que sua nova liberdade te traga alguma leveza.