Eu sempre tive problemas com patriotismo.
Acho que todos os brasileiros tem. Isso de identidade nacional não faz muito sentido num lugar tão grande e tão miscigenado. Meus sentimentos quanto a isso sempre foram confusos - não entendia o que era ser patriota, mas chorava (e ainda choro) ao ouvir e cantar o hino nacional.
Aí eu saí do país. E entendi que não é preciso pensar igual ou parecer igual pra ser brasileiro. Eu apenas era brasileira. Acho que escrevi alguma coisa sobre isso na época em que estava fora, sobre o fim da minha confusão. E parei de me preocupar com isso.
Quando fui pra São Paulo e tive que lidar com pessoas que me faziam perguntas do tipo "Em Rondônia as lojas passam cartão de crédito?" ou "Lá tem prédios?" eu aumentei meu nível de tolerância em 1000%. Se antes eu respondia "Ah não, lá não passa cartão e olha, nós também não temos cachorro; nossos animais de estimação são onças. Eu tenho uma marca de garras, você quer ver?" eu passei a simplesmente olhar a pessoa com pena e responder com educação. Com o tempo as perguntas de mau gosto acabaram e só a curiosidade restou. Com curiosidade eu lido muito bem - porque eu mesma sou curiosa. Se conheço um lugar novo ou uma pessoa de um lugar diferente, quero saber de tudo: dos hábitos, da comida, do linguajar... de tudo que forma uma cultura.
Quando eu passei no vestibular e vim pra Pelotas, não me preocupei com adaptação. São Paulo tinha me preparado pra lidar com gente mal educada e provavelmente pelo fato de ter vivido com outras pessoas que não eram da minha família, eu me tornei uma pessoa de "fácil convivência". Estou aqui há quase 8 meses e não tinha passado por nada muito estranho.
Até agora.
Ontem foi Dia do Gaúcho - uma celebração à Revolução Farroupilha.
Não é do meu interesse falar se faz sentido ou não celebrar uma guerra que não deu certo (entre os gaúchos mesmo não há um consenso em relação a isso), mas esse é gancho pra o que eu quero falar. Ontem minha página do facebook estava fervilhando: era como se a bandeira do Rio Grande do Sul estivesse batendo na minha cara. Alguns falavam sobre isso de celebrar uma guerra perdida, outros falavam que quem deveria ser honrado era o escravo negro que foi mandado pra guerra (e não o fazendeiro de bombacha que ficou tomando chimarrão na casa grande), mas a maioria falava no orgulho de ser gaúcho. Eu ri um pouco de alguns comentários ("a garra gaúcha é melhor que o jeitinho brasileiro") mas um me deixou estarrecida. Falava sobre as críticas do povo brasileiro sem unidade cultural ao povo Gaúcho (com letra maiúscula mesmo) e ao Movimento Tradicionalista Gaúcho. O guri falou de intolerância cultural, honra as instituições familiares, sentimentos bairristas [(...)"pois assim como o povo catalão se orgulha de ser catalão e não espanhol, nós Gaúchos nos orgulhamos (...)] e pediu tolerância dos não gaúchos. Não sem antes falar que as ideologias e tradições dos não gaúchos se resumiam em "jeitinho brasileiro, cachaça, bunda, corrupção, violência, drogas, futebol e funk".
Eu ri mais um pouco. Babaca tem em todo lugar, eu pensei (vide Movimento São Paulo para Paulistas).
Hoje o mesmo guri posta o texto do Arnaldo Jabor elogiando a cultura gaúcha e diz que o povo gaúcho é o único com honra e valor.
Foi o meu limite.
Uma coisa é um velho de 70 anos (que passou a vida inteira ouvindo que o seu povo era superior) pensar assim. Outra coisa bem diferente, é um estudante de DIREITO de 19 anos falar uma coisa dessas. Eu senti vontade de imprimir o texto do menino, grudar na porta da faculdade e escrever em vermelho: É ESSE TIPO DE PESSOA QUE ESTÁ SE FORMANDO AQUI.
Uma das coisas que me revolta, é que nem todo gaúcho é assim. Eu fiz amigos maravilhosos aqui; conheci pessoas educadíssimas. E todos levam fama de bairrista, quando poucos são.
Tri chato isso, tchê.
Que de modelo a toda terra sirva a educação e o carinho de alguns gaudérios que conheci. Já as façanhas, que fiquem no passado. Não adianta nada se vangloriar pela coragem e pela honra de alguns, se você não sabe respeitar as diferenças.
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