sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Dia 7

Hoje eu falei abertamente sobre homens com um antigo colega de trabalho. 
Não do jeito que eu sempre falo: contida, com vergonha, como se eu tivesse vergonha de ser mulher.
Eu falei bobagem. Besteira mesmo. Falei de pinto, de óleo da bota, da maneira mais escrachada e natural pra qualquer pessoa da minha idade. Eu nunca me dou conta de como falar bobagem sobre homem, algo que me fez ter vergonha por anos, é libertador.
É difícil sentir embaraço por ser um ser sexual, mas de piada em piada, eu vou desconstruindo isso.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Dia 6

Minha mãe tinha 27 anos quando me teve. 
Eu vou fazer 27 anos em duas semanas, e além de não ter um emprego, não tenho nem possibilidade de namorar alguém, ter um filho, casar, o que seja.
Claro que são outros tempos, mas eu nunca tinha pensado nessa perspectiva. Mas eu também nunca tinha pensado em casar e ter uma família, até o ano passado. É incrível pensar que algo que não tinha importância alguma até alguns meses, pode virar algo quase prioritário na minha vida. Eu consigo imaginar o que minha terapeuta me perguntaria sobre isso. O que não consigo fazer, é agir pra mudar as coisas do estado em que estão.
Envelhecer é maravilhoso e assustador.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Dia 5

Hoje eu enviei a carta do Chris, e já estou pensando em quando receber a resposta.
É isso. Eu preciso desacelerar em todos os sentidos. Eu não percebi o quanto eu sentia saudade de esperar por algo. Talvez muito da minha ansiedade, que já existia quando eu não vivia online, não vivia querendo me informar, esteja nisso: em ter que ser rápida sempre. Eu preciso ser devagar. Eu preciso de tempo pra aprender muita coisa, e estando sempre rápida, eu fico cheia de informação e acabo aprendendo nada de verdade - ou nada que me faça me sentir feliz. 
E sabe de uma coisa?
Acho que se eu ficar menos online, eu vou conseguir ser muito mais presente na vida dos meus amigos, e não vou hiperventilar toda vez que a notificação de mensagem chegar. Não sei exatamente como, eu tenho quase certeza que eu vou melhorar se tentar.


Fiz chá de limão, gengibre e mel, e a tosse melhorou consideravelmente. Também ouvi o Shape of a broken heart, da Imany, e lembrei do meu amor por músicas tristes.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Dia 4

Terminei de ver Evangelion.
Comecei ano passado, e assim como Buffy, fui vendo aos poucos (eu parei de ver Buffy porque saiu da Netflix. Esse é meu ritmo vendo série com mais de 10 episódios) até o episódio 17... E hoje terminei. A impressão que tive é que foi tudo se arrastando até o episódio 17, e do 18 pra frente vira gritaria e dedo no cu - eu sentei pra ver no sofá e não consegui mais levantar, nem pra pegar meu remédio de tosse. 
Eu chorei, e não lembro da última vez que chorei vendo algo na netflix. 
Só conseguia pensar em como minha adolescência teria sido diferente se eu tivesse visto isso com 14 anos, quando comecei a ficar seriamente triste, e só conseguia me odiar e achar que estava sozinha. Não me importou que os dois últimos episódios tenham sido escritos pela Clarice Lispector (como o Thiago falou, fazendo piada), e eu tenha penado pra acompanhar o fluxo de consciência legendado em espanhol enquanto lacrimejava; talvez isso tenha tornado o final mais poético ainda, e a tristeza do que estava por trás de tudo melhorou. 
Assistam Evangelion. Coloquem os adolescentes que fazem parte da vida de vocês pra assistir Evangelion. Eu saio desses 26 episódios como outra pessoa. 

Sigo tossindo. Amanhã vou fazer um balde de chá de limão com gengibre e mel, e jogar nas mãos de Jesus.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Dia 3

Hoje eu escrevi uma carta.
Ano passado, um alemão caiu no meu colo em Jerusalém. Não literalmente, mas quase isso. No primeiro final de semana de folga que eu e Nathalia tivemos do workaway, fomos pra Jerusalém. Como nós somos duas velhas, ficamos no saguão do Abraham hostel, e esse moço alemão ficava olhando pra gente como se quisesse conversar. Como eu estou acostumada com a Nathalia (que tem quase fobia social), eu puxei assunto. Ele tinha 20 e poucos anos (menos que eu), tinha acabado alguma coisa de técnica em construção na Alemanha, não tinha rede sociais e estava em Israel procurando estágio. Ele era bem travado, bem alemão, mas eu, como sempre, soterrei o desconhecido de perguntas e achei inofensivo. No outro dia fomos juntos ao Yad Vashem, e tiramos uma foto na máquina analógica antiga dele no final do museu, já na frente da floresta. Uma das minhas amigas israelenses comentou rindo que essa história era o começo de uma piada de humor negro: conheci um alemão e fui com ele até o Yad Vashem. Eu rio de nervoso quando penso nesse comentário dela.
Eu dei a ele meu número de telefone. Um mês depois ele me liga e diz que me enviou uma carta. Fui até a caixa postal do hostel em Tiberiades, e sim, tinha carta dele, escrita em caneta tinteiro e falando que ele tinha decidido trabalhar em uma fazenda no sul do país. Ele me ligou de novo, e ficou combinado que ele me encontraria em Tel Aviv antes de eu ir embora.
Ele realmente foi até Jaffa, e ficou no mesmo hostel que eu. Andamos boa parte de Tel Aviv atrás de meias de algodão, um sapato de couro e filme pra câmera dele. Eu paguei um almoço. Ele pagou um jantar. Ele me contou que não tinha redes sociais, e que tinha como hobby ir pras feiras em que se vivia como no século retrasado (por isso as meias de algodão e a roupa vintage). Ele pediu pra colocar os braços em volta de mim, e disse que eu podia encostar nele se estivesse frio. Quando eu percebi as intenções, eu já tinha que ir embora, e o Chris (esse é o nome dele) ficou sendo uma história boa pra contar - absolutamente todo mundo quer me bater quando eu conto, e pergunta porque eu não fiz a brasileira e beijei de uma vez. Eu digo que não percebi na hora. Eu realmente não percebi, e quando percebi, achei que era brincadeira. Eu sempre acho que é - e um contato no telefone.
Quando eu mudei pra Portugal, avisei os amigos que fiz em Israel que poderia ir visitá-los; o Chris foi um deles. Nós trocamos endereços pra trocar cartas, porque eu decidi que usaria menos redes sociais e diminuiria meu ritmo, pra ver se me encontro. Então hoje eu escrevi essa carta, em papel sem linha e falando de assuntos aleatórios. Foi divertido. Eu gosto de escrever à mão. Amanhã vou enviar e escrever mais cartas. Lembrar dessa história e escrever como se eu estivesse em 2006 fazem com que a pisciana que eu deixo de lado apareça.

Sigo com tosse, mas hoje fez 20 graus e eu me senti um pouco melhor. Ainda não sei o que fazer pro meu aniversário, mas já comecei a pensar.