sexta-feira, 20 de abril de 2018

Contando

Você me disse que ela era louca, e claro que eu desconfiei, porque todas nós somos um pouco loucas. Não. Minto. Você não me disse que ela era exatamente louca, mas me contou das coisas que ela fazia, e eu achei que ela fosse um pouco louca. Você me falou o primeiro nome dela, e deu pequenos detalhes, suficientes para que eu montasse um quebra-cabeça, uma colcha de retalhos de alguém que teve algo que eu não tenho. 
Há duas semanas eu sentei do lado de alguém que parecia com ela. O mais estranho de tudo é que aquele lugar era enorme, e eu poderia ter encontrado todas as pessoas do mundo, mas eu encontrei justamente com a imagem que eu formei dela baseada nas coisas que você disse. Ela também usava óculos, e parecia assertiva. Você me disse que ela não era confiante, mas eu acho que todas as pessoas confiantes demais escondem alguma insegurança. Ela falava alto, era menor que eu, e eu até poderia dizer que parecia mais bonita. Ela estava falando sobre algo meio sexual, e violento, e eu pensei em todas as minhas travas, aquelas que eu não ouso falar na análise.
Perdi a fome. 
Empurrei aquele bolo de comida pra aguentar a tarde atarefada.
A voz dela ficou mais alta pros meus ouvidos, e eu senti vontade de gritar. Ninguém mais estava ouvindo aquela voz estridente? Ninguém mais achava que ela parecia louca, e grande demais, mesmo sendo menor que eu? 
Senti frio e fiquei com medo de vomitar toda a comida e todos os sentimentos da frente de pessoas que não conhecia. 
Eu sou uma mulher grande, mas me senti minúscula. Um quebra-cabeça irreal tornou real o meu maior medo: o de ser exposta como uma menina.

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