quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Ócio duro de roer.

Sentir tédio, solidão, confusão, dúvidas. Não ser levado a sério. Ser rotulado. Não poder ter idéias, ideologias ou qualquer coisa do gênero, ou já mandam aquelas frases malditas/batidas/ridículas: "Você é tão jovem, tão ingênuo. Eu também era assim. Mas com o tempo, você vai ver que o mundo não é assim..." Não poder ter contato - físico, verbal, tanto faz - com qualquer pessoa do sexo oposto ou já se "está gostando/quer pegar"; mesmo que a pessoa do sexo oposto seja seu primo, seu irmão ou colega de classe que você não vê a 2649264 anos. Ter que enfrentar aquele inferno que chama de Ensino Médio. E ainda por cima não poder ter um ataque de stress sem que alguém diga "Ah, é só coisa de adolescente!"

De todas as fases da vida, eu tenho certeza que a adolescência é a pior.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Não sou como eles.

- Por que você não está copiando?

- Por que meu caderno tá com a C.

- E por que tá com a C.?

-Por que ela faltou aula e pediu emprestado pra copiar.

G. me lança um olhar feio e continua a dar aula. A cada oportunidade, ele vira e olha para mim. "Ele pensa que eu vou conversar, é?", eu penso. "Idiota. Imbecil. Mal amado. Mal comido."
Cruzo os braços, em defesa. Como toda vez que eu tenho muita raiva, eu me arrepio. Ele percebe que eu não estou nem um pouquinho feliz.

- Copiem aí pra mim. - G. diz para a turma.

Ele se aproxima de mim e fala baixo, num tom que só eu escute:

- Se fosse eu, deixaria ela se virar depois.

Olho com meu olhar mais indiferente para G. Olha para C. que copia desesperada a matéria do meu caderno.

- É mesmo?

- É.

- Mas eu não sou você. Eu não sou como você. Eu não quero ser você. Sabe, G. eu acho que eu sei por que você virou professor. Você devia ser um daqueles nerds que todo mundo ri da cara; um daqueles nerds que puxa o saco do professor. E dar aulas é a sua vingança contra todos aqueles que riam de você, todos os dias. Que eram mais amados que você. Que saíam mais que você. Que namoravam mais que você. E até hoje o fazem. Mas sabe de uma coisa G.? Você não vai me irritar. Eu não vou me ferrar por um capricho de um professorzinho. Eu vou aceitar as suas indiretas podres, seus comentários irônicos numa boa. Por enquanto. Mas um dia, você vai ter o que merece por se achar tão superior aos seus alunos. Um dia, um dia.



ps.: eu não falei, mas morri de vontade. E esse vai pra (quase) todos os professores.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Que fique registrado [/clichê]

Que eu não sei nada de Eloá.

Me contaram quando o sequestro já tava com 40 horas, e só 1 dia depois que ela morreu é que eu fui saber o que aconteceu.

Pra mim, é tudo sensacionalismo.

Sequestros acontecem todos os dias, coisas muito piores acontecem todos os dias.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

"Bem vinda ao mundo."

Ele entrou devagar, como quem não quer nada.
Atravessou uma multidão que o olhava com reprovação pelo seu traje, seu estado.

Parou em frente ao altar. A missa estava quase no seu final. Era a hora da comunhão. Uma mulher vestida de branco [/clichê] distribuía alguma coisa. Será comida? Era redondo, era branco, era pequeno. Não adianta. É pequeno demais.
Levantou os olhos e viu que mulher chorava. Será que eu falei alto, será que ela me ouviu? Não importa. Olhou ao seu redor. Gente séria. Gente calada. Gente inteligente? Mais inteligente que eu, com certeza. Ali - apontou para um cantinho da casa grande - ali tem barulho.
Andou até a bateria e parou. Observou. Sentiu alguém observando. Oi. Oi. Ta-da-ta-da-ta-ta-ta-ta-ca-ta-ta, um menino concentrado. Menino? Tão maior que eu. Tão maior... Ele sorri. As meninas do lado dele também. "Eis o pão da vida, eis o pão do céu..." Uma delas senta. A música diminui. Cochichos. Sento ao lado do menino.
Todos se levantam, levam a mão à testa, ao peito, aos ombros e ao coração. Vão indo embora. A música começa de novo. É deprimente essa música. Qual o seu nome? perguntam. Onde você mora, cadê sua mãe. Minha mãe, não sei. Deve estar no inferno, o que é mãe? PÁRA COM ISSO, eu não quero responder. Mas eu respondo. Eu minto. Como sempre fiz, como sempre farei. Minha mãe tá em casa, eu moro aqui perto.
Cê tá com fome? pergunta uma menina com a voz chorosa. Os olhos dela estão vermelhos. Tô não. Vem comigo, ela diz. Atravessamos a grande casa de novo. Mas eu não estou sozinho, agora. Cê quer um dindin? um outro menino pergunta. Balanço a cabeça afirmando.

Ele rouba, a mãe da Júlia já viu ele roubando. Ele só parece bom. Tá, aham, fungada. Mas ele tem fome. Não, ele come todo dia. Eu já vi ele no ônibus, ele passa por debaixo da roleta. Mas como? Que roleta menina, ele rouba comida por aqui. CALA A BOCA, CALA A BOCA! Cadê a bondade, cadê? Cadê o cristianismo, cadê o amor que VOCÊS sempre falam? Isso é ser Cristão? Comungar todo domingo, ir à missa, saber a bíblia de cor? SEUS HIPÓCRITAS, TODOS HIPÓCRITAS. Não interessa se ele rouba, usa drogas, não tem mãe, se a mãe é puta, se ele é mal. Todos somos maus. Apontar o dedo na cara dele não vai deixar ele menos mau. É, é isso. Ele só é um pouquinho mais mau que nós. Nós, pseudo-cilizados. Pseudo-bons. E se ele é assim, é porque vocês o fizeram. Respira. Não sai nada. Ardência nos olhos e no nariz. Nó na garganta. Olhos arregalados. Choro.

Tá aqui o dindin, ó. Pega. Eu pego. Enrolo na blusa. Minha blusa tá suja, a delas tá tão limpinha... Ah não, eles de novo, O que eles querem? Eu não sei onde tá a minha mãe. Tá com fome? Já respondi. Quer ir na casa da Umáyra? Na casa da Umáyra tem piscina. Vai lá, cara. Não, não quero. Tem certeza que não tá com fome. NÃO, NÃO TÔ. Pega esse dindin. Pega, pega. Não quero mais. Olha que estragar comida é feio, Thiago. Thiago, eu nem lembro de ter dito meu nome. Ah, disse sim. Pro homem do barulho. Não tô nem aí. Não Thiago, volta aqui. Saí daqui, eu vou cuspir! A menina do cabelo de molinhas tá chorando, por que? Eu vou embora, eu vou embora.

Eu me senti tão impotente. Tão, tão... Raiva, é isso, raiva. Raiva do mundo, raiva de Deus. Deus que deixa acontecer isso. Que deixa isso. Que deixa isso. Raiva do homem que faz isso. Raiva do homem que não sente pena, que não deixa transparecer compaixão quando vê uma coisa assim. E quanto a mim? E eu, que não fiz nada? Que me alterei, que não o ajudei? Eu não tenho fome. Eu tenho tudo. Tudo. Nojo. Nojo, nojo, nojo. Me coço, me arranho, aaaaaaaaargh que nojo de mim. Que nojo, que raiva, por que nós temos que ser tão egoístas? Por que as pessoas me olham como se eu fosse uma estranha, me reprovam e sentem pena de mim por ser "jovem, sonhadora..." Por sonhar com uma coisa melhor? EU QUERO QUE SINTAM PENA, DELE. DO MENINO. DOS MENINOS. DOS HOMENS E MULHERES QUE SÃO MENINOS. MENINOS TRANSVIADOS. Eu me senti tão... suja. Tão inútil.

"... isso significa que você tem um bom coração, que você é boa... Bem vinda ao mundo."


ps.: eu não acho que tenha um bom coração, mas alguém me ensinou que quando se recebe elogios, é pra sorrir e agradecer. Agradeço muito a esse (?) alguém, porque eu sinto que me respeita. E alguém que respeita uma adolescente...

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Compulsão, por compulsiva.

Paro e me concentro em minhas sensações.

Dor. Começa no estômago, como um formigamento. Sobe pela garganta, quente como sei lá o que. Chega à cabeça. A cabeça pulsa. Ouço meus batimentos cardíacos.

Procuro uma folha qualquer, marco o livro e o fecho. Levanto-me da cama e sinto o mundo girar, girar, girar, bandolins.

Desço a escada, lentamente. Meu coração dispara. Falta de condicionamente físico. As palavras de meu pai me vem à mente. Abro a porta da cozinha.

Sinto-me perdida por alguns segundos. Consigo me ver de cima. Acordo. Abro a porta da geladeira. Mais dor. Agora nos olhos. Tantas cores, tantas cores. Tantas formas geométricas. 'Come uma fruta, come uma fruta, come uma fruta' minha mãe ecoa, minha mãe grita. Pego uma maça. Como em três dentadas.

Pontadas na cabeça. Pontadas no estômago. Barulhos estranhos. O mundo gira outra vez. Como uma banana. Sento-me na cadeira da cozinha. Sinto calor. Me sinto febril. Quente por fora, fria por dentro. Suo.

Contorções. Deito a cabeça na mesa de mármore, frio. Pães, vejo pães. Num mar de manteiga. Chuva de nescau. Preciso de um carboidrato. Preciso desesperadamente de um carboidrato.

Abro um pacote de biscoito. Quando ponho um na boca, derrete. E vou vou comendo, um, dois, três, quatro, cinco, dez. A dor diminui. Me sinto melhor. Recosto na cadeira e observo tudo ao meu redor. Céu bonito. Vento bom. Carta Capital em cima da mesa. Começo a ler. Crise, crise, Bolsa de Valores, aaaaaaah a mamãe queria saber mais sobre a crise, será que ela já le...

Minha mãe.

Pânico. Meu cérebro começa a trabalhar rapidamente em uma justificativa para a abertura do pacote de biscoito.

''Não foi eu.'' Não, muito batida. Além do mais, eu sempre abro. Descartada.

''Já tava assim.'' Boa. Se ela não abrisse o armário todo dia...

''É o seguinte, mãe. Eu vou ser sincera contigo. Eu sou gorda. Eu tenho a mente de gorda. Eu sou dependente de comida. De carboidratos, de doces. Eu comi uma maçã e uma banana e a minha cabeça não parou de doer, mãe. Eu tava desesperada, não aguentava mais. Eu tenho um problema, mãe, cê sabe. Talvez quando essa doença maldita chamada adolescência passar, eu melhore. Quando as pessoas pararem de me pressionar. Quando vocês pararem. Quando eu tiver meu dinheiro, meu emprego, depois do vestibular. Eu paro com isso. Eu consigo parar. Mas é muita pressão, sabe? E além de tudo, eu tenho esse preconcieto desgraçado contra quem se preocupa com o corpo. Na minha cabeça, só o que importa é cérebro. Só o meu cérebro vai me levar a algum lugar. Por favor, mãe, tenta entender.'' É. Vou falar isso. Vou mesmo. Ela nunca foi gorda na vida, ela não sabe como é. Ela não sabe como é a compulsão. Tentar não pensar, tentar não comer. Não conseguir escapar...

Subo a escada. Abro o livro. Relaxo. Já sei o que falar pra minha mãe.

20 minutos depois, escuto minha mãe gritar. 'Umáyra, venha cá!' ''Venha cá" não é bom. Se fosse "Vem cá", tudo bem. Mas "Venha cá" é sinônimo de coisa ruim.

'Quem abriu esse pacote de biscoito, Umáyra?'


'NÃO FOI EU.'





Pra escutar lendo: Mary was her name - Elis Presley.

ps.: é verídico.